quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Capitulo 8

Postado por Estante de Livros às quarta-feira, dezembro 04, 2013
(OITO)
O problema é que, quando você passa a vida inteira na cidade de Chicago e arredores,
não consegue apreender completamente certas facetas da vida rural. Tomemos, por
exemplo, o caso perturbador do galo. Na cabeça de Colin, o galo cantando de manhãzinha
não passava de um clichê literário e cinematográfico. Sempre que um autor queria que um
personagem fosse despertado ao alvorecer, Colin achava que ele simplesmente recorria à
tradição literária do galo cantando para fazer aquilo acontecer. Era algo, ele pensava, que os
escritores sempre faziam: escrever as coisas de um jeito diferente do que são na verdade. Os
escritores nunca contavam a história toda; simplesmente iam direto ao ponto. Para Colin, a
verdade deveria importar tanto quanto o ponto, e ele imaginou que devia ser por isso que
não conseguia contar histórias direito.
Naquela manhã ele aprendeu que, no fim das contas, os galos não começam a cantar à
primeira luz do dia. Começam bem antes, lá pelas cinco horas. Colin rolou na cama com a
qual não estava acostumado e por uns poucos e lentos segundos, enquanto tentava enxergar
na escuridão, ele se sentiu bem. Cansado e irritado com o galo. Mas bem. Mas aí se lembrou
de que ela havia terminado com ele, e pensou nela, adormecida em sua cama enorme e
macia, não sonhando com ele. Colin rolou de novo e deu uma olhada no celular. Nenhuma
ligação não atendida.
O galo cantou de novo.
— Co-co-ri-có-não, motherfugger — Colin murmurou.
Mas o galo continuou com o co-co-ri-có-sim e, depois que o sol nasceu, o canto criou um
tipo de sinfonia dissonante, esquisito quando misturado aos sons abafados da reza matinal
de um muçulmano. Aquelas horas de ruídos que não o deixavam dormir lhe deram bastante
tempo para se questionar sobre tudo, de quando a Katherine pensou nele pela última vez
até a quantidade de anagramas gramaticalmente corretos para galo cantando.38
Por volta das sete da manhã, quando o galo (ou, quem sabe, houvesse mais de um, talvez
eles cantassem em turnos) entrou em sua terceira hora de gritos estridentes, Colin foi
cambaleando até o banheiro, que também tinha ligação com o quarto de Hassan. O amigo
já estava no banho. Mesmo sendo tudo muito luxuoso, não havia banheira.
— Bom dia, Hass.
— Oi! — Hassan gritou por causa do barulho da água. — Cara, a Hollis está dormindo na
sala de estar com a televisão ligada no canal de compras. Ela tem uma casa de 1 bilhão de
dólares e dorme no sofá.
— Efas fefoas são estranhas — Colin disse, tirando a escova de dentes da boca no meio da
frase.
— Não importa. A Hollis me adora. Ela acha que eu sou o máximo. E que você é um
gênio. E a 500 dólares por semana eu nunca mais vou precisar trabalhar na vida.
Quinhentos dólares dão para cinco meses na minha casa, cara. Eu posso viver com o
dinheiro desse verão até, tipo, os 30 anos.
— Sua falta de ambição é verdadeiramente admirável.
Hassan estendeu o braço para fora do box e pegou uma toalha bordada com o
monograma HLW. Ele surgiu alguns instantes depois e andou até o quarto de Colin, a
toalha enrolada na cintura de diâmetro considerável.
— Olha aqui, kafir. Falando sério. Larga do meu pé com essa história de eu ir para a
faculdade. Você me deixa ser feliz; eu deixo você ser feliz. Ficar enchendo a merda do saco
um do outro faz parte, mas tem limite.
— Foi mal. Eu não sabia que tinha chegado ao limite.
Colin se sentou na cama. Estava vestido com a camisa de malha do KranialKidz.
— Pois é. Você tocou nesse assunto, tipo, uns 284 dias consecutivos.
— Talvez a gente devesse escolher uma palavra — Colin disse. — Para quando já tiver ido
longe demais. Tipo, uma palavra aleatória, e aí vamos saber que é para parar de encher o
saco.
Parado ali, em pé, enrolado na toalha, Hassan olhou para o teto e, por fim, disse:
— Badalhoca.
— Badalhoca — Colin concordou, tentando formar anagramas para ela na cabeça, e só
gostou de dez.39
— Você está fazendo anagramas, não está, motherfugger? — perguntou Hassan.
— Estou — Colin disse.
— Deve ter sido por isso que ela terminou com você. Sempre criando anagramas, nunca
escutando.
— Badalhoca — disse Colin.
— Só quis dar a chance de você usar nosso código. Tá, vamos comer. Estou mais faminto
que uma criança no terceiro dia do acampamento para gordos.
Enquanto eles percorriam um corredor que terminava numa escada em espiral a caminho
da sala de estar, Colin perguntou, o mais próximo que conseguiu chegar de um sussurro:
— Por que você acha que a Hollis quer nos dar um emprego, de verdade?
Hassan parou no meio da escada e Colin também.
— Ela quer me fazer feliz. Nós, gordinhos, temos um laço afetivo, cara. Somos tipo uma
Sociedade Secreta. Temos vários lances que nem passam pela cabeça de vocês. Apertos de
mão, danças especiais para gordos, umas cavernas fugging secretas no centro da Terra para
onde descemos no meio da noite, quando todos os magros estão dormindo, para comer
bolo, frango assado e altas paradas. Por que acha que a Hollis ainda está dormindo, kafir?
Porque ficamos acordados a noite toda na caverna secreta injetando cobertura de bolo na
veia. Ela está nos dando emprego porque um gordinho sempre confia em outro gordinho.
— Você não é gordo. É rechonchudo.
— Cara, você acabou de ver meus peitinhos quando saí do banho.
— Eles não são tão grandes assim — disse Colin.
— Ah, então é assim? Foi você quem pediu!
Hassan levantou a camisa até o pescoço e Colin deu uma olhada no tórax cabeludo, que
tinha — tá, não há como negar — pequenos peitos. Tamanho PP de sutiã, mas mesmo assim.
Com um largo sorriso de satisfação, Hassan baixou a camisa e seguiu escada abaixo.
• • •
Demorou uma hora para Hollis se arrumar, período no qual Hassan e Lindsey jogaram
conversa fora e assistiram ao Today Show, enquanto Colin ficou sentado no canto mais
distante do sofá lendo um dos livros que enfiara na mochila — uma antologia de Lord
Byron que continha os poemas Lara e Don Juan, dos quais Colin gostava muito. Quando
Lindsey o interrompeu, ele havia acabado de chegar a um verso que adorava em Lara: “A
eternidade ordena a ti que esqueça.”
— Que é que cê tá lendo aí, sabichão? — perguntou Lindsey.
Colin levantou o livro para mostrar a capa.
— Don Juan — ela disse, pronunciando Juan rapidinho, tipo Jwan, como se fosse um
monossílabo. — Tentando aprender como não levar o fora das namoradas?
— Ju-an — Colin corrigiu. — São duas sílabas: Don Ju-an — ele disse.40
— Isso não é interessante — Hassan observou.
Mas Lindsey pareceu achar aquilo mais irritante que desinteressante. Ela revirou os olhos
e começou a tirar a mesa do café da manhã. Hollis Wells desceu a escada envolta no que
parecia, juro por Deus, uma toga florida.
— O que a gente tá fazendo — falou rapidamente —, a gente tá registrando a história oral
de Gutshot, pras gerações do futuro. Eu vinha chamando o pessoal da linha de produção
pra entrevista nas últimas duas semanas, mas não tenho mais que fazer isso agora que cês
estão aqui. Bem, o problema de toda essa operação até aqui tem sido a fofoca… todo
mundo falando sobre o que os outros dizem ou não dizem. Mas cês não têm nenhum
motivo nesse mundo pra opinar se Ellie Mae gostava ou não do marido quando casou com
ele em 1937. Então, vão cês dois. E Linds, porque todo mundo confia…
— Eu sou muito sincera — Lindsey explicou, interrompendo a mãe.
— Até demais, querida. Mas, é. Então, cê bota esse pessoal pra falar e eles num param
mais. Verdade verdadeira. Eu quero seis horas de gravação nova na minha mão todo santo
dia. Mas façam de um tudo pra eles falarem da verdadeira história, se cês conseguirem. Tô
fazendo isso pros meus netos, não pra um festival de fofoca.
Lindsey tossiu, murmurou “babaquice”, e então tossiu de novo.
Hollis arregalou os olhos.
— Lindsey Lee Wells, bote agorinha mesmo uma moeda de 25 centavos no pote do
palavrão!
— Merda — Lindsey disse. — Caralho. Porra. — Ela foi lentamente até a moldura da lareira
e colocou uma nota de 1 dólar num pote de vidro com tampa. — Tô sem moeda, Hollis —
ela disse.
Colin não conseguiu conter o riso; Hollis lançou um olhar ferino para ele.
— Bom — ela disse —, cês devem ir agora. Seis horas de fita, e voltem pro jantar.
— Peraí, quem vai abrir a loja? — perguntou Lindsey.
— Vou pôr o Colin lá um tempo.
— Eu vou sair para entrevistar pessoas desconhecidas — Colin argumentou.
— O outro Colin — Hollis disse. — O — e aí ela suspirou — namorado da Lindsey. Ele tem
matado o trabalho metade do tempo, de qualquer jeito. Agora, fora daqui.
• • •
No Rabecão, com Hassan ao volante descendo a excessivamente comprida entrada de
veículos da Mansão Cor-de-rosa, Lindsey disse:
— O, suspiro, namorado da Lindsey. É sempre o, suspiro, namorado da Lindsey. Jesus
Cristo. Tá, escute aqui, é só me deixar lá na loja.
Hassan olhou para cima e falou com Lindsey pelo espelho retrovisor.
— De jeito fugging nenhum. É assim que começam os filmes de terror. Nós deixamos você
lá, entramos na casa de algum desconhecido e cinco minutos depois tem um psicopata
fatiando os meus ovos com um facão enquanto a esposa esquizofrênica dele obriga o Colin
a fazer flexões de braço numa cama de carvão em brasa. Você vai com a gente.
— Não quero ofender cês dois não, mas não vejo o Colin desde ontem.
— Não quero ofender aquele fugger, não — Hassan retrucou —, mas o Colin está sentado
aqui no banco da frente lendo Don JU-AN. Você namora O Outro Colin, vulgo OOC.
Colin já não estava mais lendo — prestava atenção em Hassan agindo em sua defesa. Ou,
pelo menos, achava que ele o estava defendendo. Não dava nunca para saber ao certo,
quando se tratava de Hassan.
— Quer dizer, meu garoto aqui é claramente o Colin Original. Não há outro igual a ele.
Colin, diga “único” na maior quantidade de línguas que conseguir.
Colin foi rápido. Era uma palavra que ele conhecia.
— Humm, único,41 unico,42 einzigartig,43 unique,44 уникальный,45 μοναδικός,46 singularis,47
farid.48
Hassan era bom naquilo, sem a menor dúvida — Colin sentiu uma onda de afeição por
ele, e a recitação das palavras fez com que algo preenchesse o buraco onipresente.
Funcionou, ainda que só por um instante, como remédio.
Lindsey sorriu para Colin pelo espelho retrovisor.
— Senhor, meu cálice de Colins transborda. Um pra me ensinar línguas, outro pra me
beijar de língua. — Ela riu da própria piada, e falou: — Tá, tudo bem. Eu vou. Não quero ver
o Colin tendo seus ovos fatiados, no fim das contas. Nenhum dos Colins, na verdade. Mas
cês têm de me levar até a loja depois.
Hassan concordou e então Lindsey os guiou até uma ruela cheia de casas pequenas de
apenas um andar, depois de passarem em frente ao que ela chamou de “Taco Hell”. Eles
estacionaram na entrada de veículos.
— A maioria do pessoal tá no trabalho — ela explicou. — Mas Starnes deve tá em casa.
O homem os recebeu à porta. A mandíbula inferior de Starnes parecia não existir; ele
parecia ter um tipo de bico de pato coberto de pele, em vez de queixo ou mandíbula ou
dentes. E, mesmo assim, ainda tentou sorrir para Lindsey.
— Docinho — ele disse —, como cê tá?
— Fico sempre bem quando vejo ocê, Starnes — ela devolveu, dando um abraço no
homem.
Os olhos dele brilharam e, em seguida, Lindsey o apresentou a Colin e a Hassan. Quando
o velho reparou que Colin olhava fixamente para ele, explicou:
— Câncer. Agora, cês todos entrem e sentem.
A casa cheirava a sofás mofados e velhos, e a madeira rústica. Cheirava, Colin pensou, a
teias de aranha ou a lembranças nebulosas. Tinha o mesmo cheiro do porão da K-19. E
aquele odor fez com que ele voltasse no tempo tão visceralmente, para uma época em que
ela o amava — ou pelo menos ele achava isso —, que sua barriga começou a doer de novo.
Ele fechou bem os olhos por um segundo e esperou a sensação passar, mas não passou.
Para Colin, nada nunca passava.
O Começo (do Fim)
Katherine XIX ainda não era exatamente a XIX quando eles saíram juntos, sozinhos, pela
terceira vez. Embora os sinais parecessem favoráveis, ele não poderia simplesmente
perguntar a ela se queria namorá-lo, e certamente não poderia simplesmente aproximar seu
rosto do dela e beijá-la. Com frequência Colin vacilava quando se tratava da hora do beijo.
Ele tinha uma teoria a esse respeito, na verdade, intitulada Teoria da Minimização da
Rejeição (TMR):
O ato de aproximar o rosto para beijar alguém, ou de perguntar se pode beijar alguém,
carrega o risco da possibilidade de rejeição; assim, a pessoa menos propensa a ser rejeitada
deveria fazer a aproximação do rosto ou a pergunta. E essa pessoa, pelo menos em
relacionamentos heterossexuais no ensino médio, definitivamente é a garota. Pense bem:
garotos, basicamente, querem beijar garotas. Os meninos querem beijar, abraçar, apalpar.
Sempre. Tirando Hassan, raramente acontece de um garoto pensar algo como: “Humm,
acho que prefiro não beijar hoje.” Talvez, se um cara estiver pegando fogo, literalmente, não
vá pensar em dar uns pegas. Mas só nesse caso. Ao passo que as garotas são bastante
inconstantes quando se trata desse negócio de beijo. Às vezes elas querem dar uns pegas; às
vezes, não. Elas são uma fortaleza impenetrável de incognoscibilidade, na verdade.
Logo: as garotas deveriam sempre tomar a iniciativa, porque (a) elas são, em geral, menos
propensas a serem rejeitadas que os garotos e (b) dessa forma elas nunca serão beijadas, a
menos que queiram.
Infelizmente para Colin, não há nada lógico no negócio do beijo e, por causa disso, sua
teoria nunca funcionou. Mas, por ele sempre ter esperado um tempo tão
inacreditavelmente grande para beijar uma garota, raramente teve de lidar com a rejeição.
Ele ligou para a futura Katherine XIX naquela sexta-feira depois da aula e convidou-a para
sair e tomar um café no dia seguinte, e ela aceitou. Foi a mesma cafeteria dos dois
primeiros encontros — ocasiões perfeitamente agradáveis e cheias de tanta tensão sexual
que ele não pôde evitar ficar um pouco excitado só com o toque fortuito da mão dela na
sua. Ele colocou as mãos em cima da mesa, na verdade, porque queria que estivessem ao
alcance dela.
A cafeteria ficava a alguns quilômetros da casa da Katherine e a quatro prédios da de
Colin. Chamava-se Café Sel Marie e servia um dos melhores cafés de Chicago, o que não
fazia muita diferença para Colin, porque Colin não gostava de café. Ele gostava muito da
ideia do café — uma bebida quente que fornecia energia e tinha sido associada, durante
vários séculos, a pessoas sofisticadas e a intelectuais. Mas, para ele, o gosto do café em si
parecia bílis cafeinada. Então Colin amenizou aquele sabor desagradável afogando seu café
em leite, o que fez Katherine delicadamente mexer com ele naquela tarde. Seria
desnecessário dizer que Katherine bebeu café puro. As Katherines, geralmente, tomam café
assim. Elas gostam do café da mesma forma que gostam de seus ex-namorados: amargos.
Algumas horas e quatro xícaras depois, ela quis que Colin visse um filme.
— O título é Os Excêntricos Tenenbaums — falou. — É sobre uma família de prodígios.
Colin e Katherine pegaram a linha castanha do metrô sentido sudeste, na direção de
Wrigleyville, e depois andaram cinco quarteirões até a casa dela, uma construção estreita de
dois andares. Katherine levou-o até o porão. Com piso de linóleo num padrão em ondas, o
cômodo abafado e úmido continha um sofá antigo, não possuía janelas e o teto era bem
baixo (o pé-direito tinha 1,90m, e Colin, 1,85m). Não era um lugar muito propício para se
viver, mas como cinema era fantástico. Tão escuro que você podia afundar no sofá e entrar
pela tela da TV.
Colin bem que gostou do filme; pelo menos riu à beça e encontrou consolo num mundo
em que todos os personagens que tinham sido crianças superdotadas cresceram e se
tornaram adultos verdadeiramente fascinantes e únicos (mesmo sendo todos meio doidos).
Quando o filme terminou, Katherine e Colin ficaram sentados no escuro. O porão era o
único lugar genuinamente escuro que Colin já vira em Chicago — de dia e de noite, uma luz
laranja-acinzentada se infiltrava por qualquer lugar com janelas.
— Eu adoro a trilha sonora — disse Katherine. — É tão maneira!
— É — Colin disse. — E eu gostei dos personagens. Até daquele pai terrível eu gostei um
pouquinho.
— É, eu também.
Ele conseguia ver o cabelo loiro dela e o contorno de seu rosto, mas quase nada mais. A
mão dele, que tinha ficado segurando a dela desde que haviam se passado uns trinta
minutos de filme, estava com cãibra e suada, mas ele não quis ser o primeiro a soltar a mão.
Ela continuou:
— Quer dizer, ele é egoísta, mas todo mundo é egoísta.
— É — Colin disse.
— Então é assim? É assim que é ser um, humm, prodígio ou sei lá o quê?
— Humm, não exatamente. Por exemplo, todos os prodígios no filme eram lindos — ele
brincou.
Ela riu e disse:
— Assim como todos os que eu conheço.
Ele expirou audivelmente, olhou para ela e quase… mas não. Não tinha certeza, e não
conseguia nem pensar na possibilidade de ser rejeitado.
— Mesmo assim, nesse filme parece que todos já nasceram talentosos. Eu não sou assim,
sabe? Quer dizer, eu trabalho pelo menos dez horas por dia, todos os dias, desde que tinha
3 anos — disse, sem falsa modéstia.
Ele pensava mesmo naquilo como um trabalho. As leituras e a prática de idiomas e da
pronúncia, a recitação dos fatos, a análise cuidadosa de todos os textos postos à sua frente.
— Então, no fim das contas, em que você é bom exatamente? Quer dizer, eu sei que você é
bom em tudo, mas no que você é muito bom além de em outras línguas?
— Sou bom em códigos e coisas assim. E sou bom em, tipo, truques linguísticos, como
anagramas. Para falar a verdade, isso é o que eu mais gosto de fazer. Posso criar anagramas
para qualquer coisa.
Ele ainda não havia falado para nenhuma das Katherines sobre seus anagramas. Sempre
imaginou que isso fosse entediá-las.
— Qualquer coisa?
— Que caqui solar — ele respondeu de bate-pronto.
Ela riu e disse:
— Katherine Carter.
Ele queria tanto colocar a mão na nuca da Katherine, puxá-la para perto e provar o gosto
da sua boca, macia e carnuda, na escuridão... Mas ainda não. Não tinha certeza. Seu coração
saltava no peito.
— Humm, tá. A ti reencher, kart… humm, ah. Gosto desse aqui: Ir te rechear, Kant.
Ela riu, largou a mão de Colin e colocou a dela espalmada no joelho dele. Seus dedos
eram macios. De repente, Colin sentiu o perfume dela sobressaindo ao odor do porão
úmido. Cheirava a lilases, e foi aí que ele soube que estava quase na hora. Mas não ousou
encará-la. Ainda não. Só ficou olhando para a tela escura da TV. Queria prolongar o
momento antes da hora H — porque, por melhor que seja a sensação do beijo, nada é
melhor que a expectativa do beijo.
— Como é que você faz isso? — ela perguntou.
— É questão de prática, basicamente. Venho praticando há muito tempo. Eu pego as
letras e primeiro formo uma palavra legal, como kart ou Kant, e depois tento usar as letras
que sobram para fazer… ai, cara, isso é chato — ele disse, torcendo para que não fosse.
— Não é, não.
— Eu só tento achar uma combinação que seja gramaticalmente correta com as letras que
sobram. Mas, de qualquer forma, é só um macete.
— Tá, então há os anagramas. Esse é um deles. Você possui algum outro talento
fascinante? — ela perguntou, e naquele momento ele ficou confiante.
Finalmente, Colin virou-se, reunindo o pouco de coragem disponível em seu âmago, e
disse:
— Bom, eu beijo relativamente bem.
38 Ele achou vinte, dos quais só gostou mesmo de dois: “o tal candonga” e “canal do tango”.
39 Bolachada; chá da bola; cada bolha; alba do chá; acha baldo; o chá balda; da bolacha; bala do chá; dá cá bolha; chá da loba.
40 É verdade. A maior parte da métrica nos versos originais do Don Juan de Byron só funciona se você enfatizar bem a
pronúncia das duas sílabas de Juan.
41 Português e espanhol.
42 Italiano.
43 Alemão.
44 Inglês e francês.
45 Russo.
46 Grego.
47 Latim.
48 Árabe.
pg 82

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