quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Capitulo 1

Postado por Estante de Livros às quarta-feira, dezembro 04, 2013
(UM)
Na manhã seguinte à formatura do ensino médio e depois de ser dispensado por sua
décima nona Katherine, o célebre menino prodígio Colin Singleton tomou um banho de
banheira. Colin sempre preferiu banhos de imersão; uma das regras fundamentais em sua
vida era nunca fazer em pé qualquer coisa que pudesse realizar, com a mesma facilidade,
deitado. Ele colocou os pés na banheira assim que a água esquentou, sentou-se e ficou
observando, com o rosto estranhamente sem expressão, enquanto a água subia. Foi
encobrindo suas pernas, que estavam dobradas e cruzadas. Colin percebeu, embora sem
muito ânimo, que estava muito comprido e grande demais para aquele espaço — parecia
uma criatura praticamente adulta brincando de ser criança.
Quando a água começou a banhar sua quase ausente mas nada definida barriga, ele
pensou em Arquimedes. Quando Colin tinha uns 4 anos, leu um livro sobre Arquimedes, o
filósofo grego que descobriu, ao se sentar numa banheira, que o volume de qualquer corpo
poderia ser calculado com base no deslocamento da água. Ao chegar a essa conclusão,
dizem, gritou “Heúreka!”1 e saiu correndo pelado pela rua. O livro dizia que muitas
descobertas importantes continham um “momento eureca”. E mesmo então, com tão
pouca idade, Colin queria muito ser o autor de descobertas importantes, o que o fez
perguntar à mãe assim que ela chegou em casa aquela noite:
— Mamãe, algum dia eu vou ter um “momento eureca”?
— Ah, meu querido — ela disse, pegando sua mão. — Qual é o problema?
— Eu quero ter um momento eureca — ele respondeu, da mesma forma que outra criança
teria expressado a vontade de ter uma das Tartarugas Ninja.
Ela encostou as costas da mão na bochecha dele e sorriu, os rostos tão próximos que dava
para ele sentir o cheiro de café e maquiagem.
— Mas é claro, Colin, filhinho. É claro que você vai ter.
Só que as mães mentem. Está na descrição do cargo delas.
Colin respirou fundo e deslizou o corpo, mergulhando a cabeça. Estou chorando, pensou,
abrindo as pálpebras para enxergar embaixo da água cheia de sabão que fazia seus olhos
arderem. Quero chorar, então devo estar chorando, mas é impossível dizer ao certo dentro d’água. E não
estava. Estranhamente, estava deprimido demais para derramar lágrimas. Magoado demais.
A sensação era de que Katherine havia roubado dele a parte que chorava.
Colin destampou o ralo, ficou de pé, enxugou-se e vestiu-se. Quando saiu do banheiro,
viu os pais sentados, juntos, em sua cama. Nunca era um bom sinal quando ambos estavam
em seu quarto ao mesmo tempo. Historicamente, aquilo significava:
1. Sua avó/seu avô/sua tia-Suzie-que-você-não-conheceu-mas-acredite-era-legal-e-éuma-
pena morreu.
2. Você está deixando que uma garota chamada Katherine o distraia dos estudos.
3. Os nenéns são gerados por meio de um ato que em algum momento você achará
interessante, mas que por enquanto só o deixará horrorizado, e, além disso, às vezes
as pessoas fazem coisas que incluem algumas etapas do ato de gerar nenéns que, na
verdade, não incluem a fabricação de nenéns, como beijar o outro em lugares que
não ficam no rosto.
Nunca significou:
4. Uma garota chamada Katherine ligou enquanto você estava no banho. Ela sente
muito. Ela ainda o ama e cometeu um erro imperdoável, e está esperando você lá
embaixo.
Mas, mesmo assim, Colin não pôde evitar nutrir a esperança de que seus pais estivessem no
quarto para dar uma notícia do tipo 4. Em geral, o garoto era pessimista, mas parecia fazer
uma exceção para as Katherines: sempre achava que voltariam com ele. Aquela sensação de
amar e ser amado invadiu seu ser, e ele pôde sentir o gosto da adrenalina no fundo da
garganta — e quem sabe não acabou, e quem sabe ele iria poder sentir o toque da mão dela
de novo, e ouvir aquela voz alta e aguda se transformando num sussurro na hora de dizer
eu-te-amo do jeito rapidinho e baixinho como sempre fizera. Ela falava eu te amo como se
fosse um segredo; e um dos grandes.
O pai ficou de pé e deu um passo em sua direção.
— A Katherine ligou para o meu celular — ele disse. — Está preocupada com você.
Colin sentiu a mão do pai em seu ombro e, em seguida, os dois se aproximaram e se
abraçaram.
— Estamos muito preocupados — a mãe falou. Ela era baixa e tinha cabelos castanhos e
encaracolados com uma única mecha branca na frente. — E surpresos — acrescentou. — O
que aconteceu?
— Não sei — Colin disse, baixinho, encostado no ombro do pai. — Ela simplesmente… não
me aguentava mais. Cansou de mim. Foi o que ela disse.
Aí a mãe se levantou e foi um tal de se abraçarem, braços para todo lado, até que ela
começou a chorar. Colin se desvencilhou dos abraços e sentou-se na cama. Sentiu uma
necessidade absurda de expulsá-los do quarto imediatamente, como se fosse explodir se
não saíssem. Literalmente. As vísceras espalhadas pelas paredes; o cérebro prodigioso
jogado na colcha da cama.
— Bom, em algum momento precisaremos sentar e avaliar suas opções — o pai disse. Ele
era fã de avaliações. — Não estou tentando ver o lado bom, nem nada, mas parece que agora
você terá tempo livre no verão. Um curso de férias na Universidade Northwestern, talvez?
— Quero muito ficar sozinho, só hoje — Colin respondeu, tentando transmitir uma aura
de tranquilidade para que os dois fossem embora e ele não explodisse. — Então, podemos
fazer essa avaliação amanhã?
— É claro, querido — a mãe respondeu. — Estaremos aqui o dia todo. Desça a hora que
quiser, e nós o amamos, e você é tão, tão especial, Colin, e não pode de jeito nenhum deixar
que essa garota o faça sentir qualquer coisa diferente disso, porque você é um garoto
magnífico e genial…
E, naquele exato momento, o garoto mais especial, magnífico e genial do mundo correu
para o banheiro e botou os bofes para fora. Uma explosão, por assim dizer.
— Ah, Colin! — a mãe gritou.
— Só preciso ficar sozinho — ele insistiu, do banheiro. — Por favor.
Quando saiu, os pais tinham ido embora.
Pelas quatorze horas que se seguiram, sem fazer uma pausa sequer para comer, beber ou
vomitar de novo, Colin leu e releu o anuário da escola, que recebera apenas quatro dias
antes. Tirando o blá-blá-blá costumeiro dos anuários, o seu continha setenta e duas
assinaturas. Doze eram só as assinaturas mesmo, cinquenta e seis mencionavam sua
inteligência, vinte e cinco diziam que gostariam de tê-lo conhecido melhor, onze falavam
que foi legal tê-lo como colega de turma na aula de inglês, sete incluíam as palavras
“esfíncter da pupila”2 e impressionantes dezessete terminavam com “Fique tranquilo!”. Colin
Singleton não poderia ficar tranquilo mais que uma baleia-azul poderia ficar magrinha ou
Bangladesh poderia ficar rico. Provavelmente, aquelas dezessete pessoas estavam brincando.
Pensou naquilo — e refletiu sobre como vinte e cinco de seus colegas de turma, alguns dos
quais haviam frequentado a escola ao seu lado doze anos seguidos, poderiam ter desejado
“conhecê-lo melhor”. Como se não tivessem tido oportunidade.
Mas, acima de tudo, naquelas quatorze horas, ele leu e releu a dedicatória de Katherine
XIX:
Col,
A todos os lugares aonde fomos. E a todos aonde iremos. E a mim, aqui sussurrando de
novo, de novo, de novo e de novo: euteamo.
Para sempre sua, K-a-t-h-e-r-i-n-e
• • •
Por fim, Colin achou que a cama estava confortável demais para seu estado de espírito e,
por isso, deitou de barriga para cima com as pernas esparramadas pelo carpete. Ele
começou a criar anagramas de “para sempre sua” até que achou um que lhe agradou: se um
pesar para. Então ficou deitado ali imaginando se o seu pesar pararia, e repetiu mentalmente
a já decorada mensagem, e quis cair no choro, mas em vez disso sentiu apenas uma dor no
plexo solar. Chorar é algo a mais: é você mais as lágrimas. Mas o sentimento que Colin
carregava era um macabro choro ao contrário. Era você menos alguma coisa. Ele ficou
pensando naquela expressão — para sempre — e sentiu uma queimação logo abaixo da caixa
torácica.
Doía como a pior surra que já tomara. E ele já havia tomado muitas.
1 “Eureca!” Do grego: “Achei!”
2 Mais sobre isso adiante.

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