quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Capitulo 2

Postado por Estante de Livros às quarta-feira, dezembro 04, 2013
(DOIS)
Doeu desse jeito até pouco antes das dez da noite, quando um cara um tanto gordo e
hirsuto de ascendência libanesa entrou de supetão no quarto de Colin sem bater. Colin
virou a cabeça e olhou para ele, os olhos semicerrados.
— Que diabo é isso? — perguntou Hassan, quase gritando.
— Ela terminou comigo — respondeu Colin.
— É, fiquei sabendo. O negócio é o seguinte, sitzpinkler,3 eu adoraria consolar você mas,
neste exato momento, o conteúdo da minha bexiga seria suficiente para apagar o incêndio
de uma casa inteira. — Hassan passou rápido pela cama e abriu a porta do banheiro. — Meu
Deus, Singleton, o que você comeu? Tem cheiro de… AHHH! VÔMITO! VÔMITO!
ECAAAAA!
E enquanto Hassan gritava Colin pensou: Ah, é. A privada. Eu deveria ter dado descarga.
— Foi mal se eu errei o vaso — Hassan disse assim que voltou. Ele se sentou na beira da
cama e deu um chute de leve no corpo prostrado de Colin. — É que eu tive de tapar o nariz
com as minhas duas fugging* mãos, e aí o Rojão aqui ficou balançando livre, leve e solto.
Um pêndulo poderoso, aquele fugger. — Colin não riu. — Cara, você deve estar mal mesmo,
porque (a) piadas com meu Rojão são o meu forte, e (b) quem é que se esquece de dar
descarga no próprio vômito?
— Eu só quero ir rastejando até um buraco, cair nele e morrer. — Colin falou com a boca
encostada no carpete bege sem transmitir qualquer emoção audível.
— Ah, não — disse Hassan, expirando lentamente.
— Tudo o que eu sempre quis foi que ela me amasse e que eu pudesse fazer algo
significativo nessa vida. E olhe só isso. Sério, olhe só isso — ele falou.
— Estou olhando. E tenho que admitir, kafir,4 que não gosto do que estou vendo. Aliás,
nem do cheiro que estou sentindo.
Hassan deitou-se na cama e deixou o sofrimento de Colin pairar no ar por um instante.
— Eu sou… Eu sou um fracasso. E se for só isso? E se, daqui a dez anos, eu estiver sentado
num fugging cubículo processando milhares de dados numéricos e decorando estatísticas de
beisebol para poder arrasar na liga virtual, e não tiver a Katherine do meu lado, e não fizer
nada de significativo, e for simplesmente um desperdício completo?
Hassan tornou a se sentar, as mãos nos joelhos.
— Viu? É por isso que você precisa acreditar em Deus. Porque eu não tenho a expectativa
de ter nem mesmo uma baia e vivo mais feliz que um porco chafurdando num monte de
merda.
Colin suspirou. Mesmo não sendo tão religioso assim, Hassan de vez em quando brincava
de tentar converter Colin.
— Tá. Fé em Deus. Boa ideia. Também quero acreditar que posso voar até o espaço sideral
montado nas costas macias de pinguins gigantes e transar com a Katherine XIX em
gravidade zero.
— Singleton, você precisa acreditar em Deus mais do que qualquer pessoa que eu
conheço.
— É, e você precisa ir para a faculdade — Colin murmurou.
Hassan resmungou. Um ano mais adiantado que Colin na escola, Hassan tinha tirado o
ano “de folga” mesmo tendo passado para a Universidade Loyola de Chicago. Como não
tinha feito matrícula em nenhuma matéria para o semestre seguinte, parecia que um ano de
folga logo se transformaria em dois.
— Não venha me botar na berlinda — Hassan disse com um sorriso. — Não sou eu quem
está fugged demais para levantar do carpete, nem para dar descarga no meu próprio vômito,
cara. E você sabe por quê? Porque eu tenho o meu Deus.
— Pare de tentar me converter — Colin se queixou, sem parecer achar graça naquilo.
Hassan deu um pulo, imobilizou Colin no chão, um joelho de cada lado do corpo dele,
contendo os braços do amigo com as mãos, e começou a gritar:
— Não há outro deus além de Alá e Maomé é Seu Profeta! Repita comigo, sitzpinkler! La
ilaha illa-llah!5 — Colin começou a rir, perdendo o fôlego sob o peso de Hassan, que riu
também. — Estou tentando salvar seu maldito traseiro de ir para o inferno!
— Ou você sai de cima de mim ou é lá que eu vou parar daqui a pouco — Colin arquejou.
Hassan ficou de pé e, de repente, passou para o modo sério.
— Então, qual é o problema exatamente?
— O problema exatamente é que ela terminou comigo. Que eu estou sozinho. Ai, meu
Deus, estou sozinho de novo. E não é só isso. Eu sou um fracasso total, caso não tenha
reparado. Estou em fim de carreira, sou um ex. Ex-namorado da Katherine XIX. Ex-prodígio.
Ex-cheio de potencial. Atualmente cheio de merda.
Como Colin já explicara várias vezes a Hassan, há uma diferença enorme entre as palavras
prodígio e gênio.
Prodígios conseguem aprender rapidamente o que outras pessoas inventaram; gênios
descobrem o que ninguém descobriu. Prodígios aprendem; gênios realizam. A maioria das
crianças prodígio não se torna um gênio na idade adulta. Colin tinha quase certeza de que
fazia parte dessa maioria desafortunada.
Hassan se sentou na cama, beliscando a barba por fazer que cobria sua papada.
— Mas o verdadeiro problema aqui é o lance de ser gênio ou o lance da Katherine?
— É só que eu amo tanto a Katherine... — Foi a resposta de Colin.
O fato é que, na cabeça de Colin, as duas coisas estavam relacionadas. O problema era
que o garoto mais especial, magnífico e genial do mundo era… bem, não era. O Problema
mesmo era que Ele não era importante. Colin Singleton, célebre menino prodígio, célebre
veterano de Conflitos Katherínicos, célebre nerd e sitzpinkler, não era importante para a
Katherine XIX, e não era importante para o mundo. De repente, ele não era mais o
namorado de ninguém nem o gênio de ninguém. E isso — utilizando o tipo de expressão
complexa que se esperaria ouvir de um prodígio — era um saco.
— Porque o lance de ser gênio — Hassan continuou como se Colin não tivesse acabado de
declarar seu amor — não é nada. Isso só tem a ver com querer ser famoso.
— Não, não é isso. Eu quero ser importante — ele disse.
— Certo. Como eu disse, você quer fama. O famoso é o novo popular. E já que você não
vai ser uma fugging America’s Next Top Model, sem a mais puta sombra de dúvida, quer ser o
America’s Next Top Genius, e agora está… e não leve isso para o lado pessoal… choramingando
porque isso não aconteceu ainda.
— Você não está ajudando — Colin murmurou com a cara no carpete, e virou o rosto para
olhar para Hassan.
— Levante daí — Hassan disse, estendendo a mão. Colin segurou-a, tomando impulso para
subir, e depois tentou se desvencilhar dela. Mas Hassan apertou-a ainda mais. — Kafir, você
está com um problema muito complicado que tem uma solução muito simples.
3 Palavra alemã, gíria para “maricas”, que significa literalmente “homem que mija sentado”. Esses alemães excêntricos... têm
sempre uma palavra para tudo.
* Mais sobre o fugging — e variações — adiante. (N.T.)
4 “Kafir” vem de uma palavra árabe não muito simpática que significa “não muçulmano”, “infiel”.
5 A profissão de fé dos muçulmanos, transliterada do árabe: não existe deus a não ser Alá.

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